À medida que a economia azul ganha dinamismo em toda a Europa, a atenção volta-se cada vez mais para um fator crítico, mas frequentemente subestimado: o capital humano. Neste artigo, Sérgio Leandro, Biólogo Marinho, Coordenador Científico do Smart Ocean Peniche e Diretor da Escola Superior de Turismo e Tecnologia do Mar do Politécnico de Leiria, analisa de que forma a educação, o desenvolvimento de competências e a capacitação das comunidades são essenciais para construir uma economia do oceano verdadeiramente sustentável e inclusiva. Como pode o investimento nas pessoas (nas suas competências, valores e sentido de pertença) moldar uma economia azul que seja não apenas inovadora, mas também regenerativa e socialmente resiliente?
Em toda a Europa, a economia azul está a expandir-se mais rapidamente do que nunca, abrangendo setores que vão desde a biotecnologia marinha ao turismo sustentável, às energias offshore e aos serviços digitais do oceano. No entanto, por detrás da superfície desta transformação, esconde-se uma verdade que muitas vezes ignoramos: não é a tecnologia, mas sim as pessoas, que impulsionam a mudança.
A transição para uma economia do oceano sustentável depende de competências, valores e inclusão. Trata-se de preparar indivíduos e comunidades não apenas para trabalhar na economia azul, mas para a moldar, enquanto inovadores, empreendedores e guardiões dos ecossistemas marinhos e costeiros. A forma como hoje educamos, capacitamos e envolvemos as pessoas determinará se a economia azul se tornará verdadeiramente regenerativa e inclusiva.
A Dimensão Humana da Economia Azul
Durante anos, as discussões sobre a economia azul centraram-se nas infraestruturas, na inovação e no investimento. No entanto, a forma mais importante de infraestrutura é a capacidade humana.
As regiões costeiras, incluindo em Portugal, enfrentam desafios sociais e demográficos: envelhecimento da população, emigração dos jovens e dependência de setores tradicionais como a pesca ou o turismo de baixo valor acrescentado. À medida que as indústrias se transformam, as comunidades sentem frequentemente que ficam para trás.
Construir uma economia azul próspera exige mais do que formação técnica. Exige uma mudança cultural. As pessoas devem não só adquirir novas competências, mas também um novo mindset: que valorize a sustentabilidade, a colaboração e a aprendizagem ao longo da vida. As “blue skills” não são apenas um conjunto de competências. São um ecossistema de capacidades que liga conhecimento, identidade e sentido de pertença.
Definir Blue Skills: Para Além da Competência Técnica
O conceito de blue skills vai além da educação convencional ou da formação profissional. Abraça uma abordagem holística ao conhecimento, à criatividade e ao propósito, preparando os indivíduos para trabalhar de forma transversal entre disciplinas e setores. De acordo com o Relatório da Economia Azul da Comissão Europeia (2024), a futura força de trabalho do oceano exigirá uma combinação de:
• Competências transversais, como resolução de problemas, literacia digital, trabalho em equipa e pensamento sistémico.
• Competências específicas de setor, incluindo biotecnologia marinha, aquacultura sustentável, monitorização do oceano baseada em dados e governação marítima.
• Literacia socioecológica, a capacidade de compreender e agir sobre a interdependência entre os sistemas oceânicos e as sociedades costeiras.
No Politécnico de Leiria, e através da plataforma regional do Hub Azul Peniche, estes princípios estão a ser traduzidos em inovação educativa e cooperação territorial. A capacitação é entendida não apenas como preparação da força de trabalho, mas como um investimento de longo prazo nas pessoas e nos territórios, ligando educação, ciência e empreendedorismo ao desenvolvimento regional e à resiliência das comunidades.
Da Educação à Capacitação: Construir um Ecossistema de Capacidades Azuis
Em toda a Europa, as regiões estão a reconhecer que preparar as pessoas para a economia azul exige mais do que educação formal — exige ecossistemas que liguem aprendizagem, inovação e participação comunitária. A passagem da educação para a capacitação envolve a criação de ambientes onde os indivíduos possam aplicar conhecimentos, experimentar novas ideias e contribuir de forma significativa para a transformação costeira.
Um Ecossistema de Capacidades Azuis pode ser construído em torno de quatro princípios-chave:
Desenvolver Blue Living Labs como ambientes abertos de inovação que promovam a cocriação de soluções para a economia azul, reunindo estudantes, cientistas, empreendedores e cidadãos.
Lançar programas de blue skills e capacitação que combinem aprendizagem baseada em projetos (PBL), tecnologias digitais e imersão no terreno, ligando a experiência local à especialização internacional.
Reforçar parcerias multinível — ligando escolas, municípios e indústria — para construir um pipeline de talento azul desde a educação inicial até à formação profissional avançada.
Promover iniciativas de capacitação comunitária que assegurem que as populações locais são cocriadoras ativas da transição azul, e não beneficiárias passivas de agendas externas.
Iniciativas como a do Hub Azul Peniche demonstram como estes princípios podem ser aplicados: universidades locais, centros de investigação e agentes da economia azul estão, em conjunto, a experimentar novas formas de ligar educação, inovação e envolvimento comunitário. Contudo, a abordagem subjacente é replicável e adaptável a qualquer região costeira que procure desenvolver capacidade humana de longo prazo para uma economia azul sustentável.
Escalar Capacidades Azuis: Parcerias, Políticas e Propósito
Para passar de iniciativas isoladas a um impacto sistémico, a capacitação deve ser institucionalizada em enquadramentos de política pública, mecanismos de financiamento e estratégias de longo prazo. Programas europeus como o Erasmus+, Blue Careers, Horizon Europe e a Regional University Network – European University (RUN-EU) ilustram como a colaboração pode alinhar educação, investigação e desenvolvimento territorial. Mas escalar estes esforços exige mais.
As prioridades-chave incluem:
• Investir na aprendizagem ao longo da vida, na requalificação profissional e na literacia do oceano em todos os níveis de ensino.
• Reconhecer sistemas de aprendizagem informal e comunitária, validando o conhecimento local e o empreendedorismo.
• Alinhar as blue skills com as estratégias regionais de especialização inteligente, ligando a educação a clusters económicos e ecossistemas de inovação.
A rede Hub Azul, liderada regionalmente por Peniche, oferece um modelo de governação colaborativa que liga os objetivos de política nacional à capacitação territorial. Ao colocar o desenvolvimento humano no centro da economia azul, assegura que o progresso é inclusivo, adaptativo e duradouro.
Conclusão: As Pessoas por Trás do Futuro Azul
O futuro da economia azul não será definido pelas tecnologias que criamos, mas pelas capacidades que cultivamos. A regeneração do oceano depende da nossa capacidade de ligar ciência e sociedade, dados e empatia, inovação e inclusão.
Se a inovação é o motor da transformação, então as pessoas são a sua bússola. Ao investir em blue skills, educação e capacitação das comunidades, podemos moldar uma economia azul que não seja apenas produtiva, mas verdadeiramente regenerativa, onde as pessoas e o oceano prosperam em conjunto.