Tiago Braz

A próxima vaga de inovação na construção e refit naval

17 de novembro de 2025

A visão de Tiago Braz, CEO da Wavelength Technology Center
Esta entrevista foi realizada a Tiago Braz, CEO da Wavelength Technology Center, no âmbito do projeto Blue Compass, promovido pela Rede Hub Azul Portugal, com base em insights do Hub Azul Dealroom, a principal plataforma digital de matchmaking para a inovação azul.
Que transformações tecnológicas ou digitais considera mais relevantes para aumentar a eficiência, segurança e sustentabilidade na construção e refit naval?
Relativamente ao processo de construção e/ou refit naval propriamente dito, os estaleiros navais saberão mais sobre como otimizar os seus processos de construção. Relativamente aos navios a ser construídos ou convertidos, as grandes áreas de inovação e transformação na indústria, do meu ponto de vista, estão relacionadas com o uso de combustíveis verdes, como o e-metanol, e-amoníaco ou bioLNG. Outra área de destaque na indústria será a utilização e implementação de WAPS ( Wind Assisted Propulsion Systems), que permitem reduções no consumo de combustível com auxílio do vento.
Estes seriam para mim os aspetos tecnológicos mais relevantes a causar disrupção e inovação na construção e refit naval. 
Na sua opinião, quais são as áreas com maior potencial de crescimento e inovação (ex.: novos materiais, propulsão verde, design modular, digital twins, automação)?
No meu entender, as áreas com maior potencial de crescimento estão relacionadas com digitalização e propulsão verde. No espaço digital existe ainda um enorme potencial para digitalização de processos administrativos relacionados com shipping, assim como grandes áreas de desenvolvimento nas ferramentas de assistência à navegação, tal como otimização de rotas.
Estas ferramentas permitirão essencialmente fazer um uso mais eficiente dos navios, reduzindo tempos de espera, e permitindo otimizar as rotas e velocidades de navegação de forma a minimizar o consumo energético. Uma terceira vertente de desenvolvimento digital está relacionada com o desenvolvimento de ferramentas que permitam a gestão de energia a bordo do navio, através de otimização dos próprios sistemas a bordo dos navios. 
No espaço relacionado com propulsão verde, na verdade a grande parte da inovação e crescimento está por acontecer em terra e não a bordo dos navios. Neste momento a "frente de batalha" da descarbonização do transporte marítimo é travada em terra, no desenvolvimento e implementação de projetos para a produção de combustíveis verdes.
Este é, de longe, o grande obstáculo a ultrapassar neste momento. A utilização de combustíveis verdes em navios está intrinsecamente dependente e interligada com o desenvolvimento de uma cadeia de produção e distribuição desses mesmos combustíveis. De forma a escalar a adoção de metanol verde, amoníaco verde e bioLNG é necessário que o consumidor desses combustíveis desenvolva os seus navios a par com a produção e distribuição.
Neste momento existe já na frota global uma quantidade saudável de navios dual-fuel a metanol, uma frota considerável de navios a LNG, e o arranque de alguns projetos para a utilização de amoníaco como co combustível em navios. O biodiesel é na generalidade considerado um "drop-in fuel" com potencial para ser implementado sem grandes alterações nos navios existentes.
Esta realidade contrasta com a clara ausência de projetos de grande escala para a produção de hidrogénio verde, necessário à produção de metanol e amoníaco verdes. Nesse sentido a grande fronteira de inovação e desenvolvimento a ultrapassar está na capacidade de produzir combustíveis verdes em escala e valor, que a par com as regulamentações a ser implementadas, os tornem viáveis.
Em larga medida a tecnologia para a utilização desses combustíveis nos navios já existe, está testada e funciona. Os "early adopters" que avançaram para criar procura já têm navios a navegar. Falta agora crescer na produção e distribuição desses combustíveis.  
Que desafios — técnicos, económicos ou regulatórios — limitam atualmente a adoção de práticas mais sustentáveis e inovadoras no setor?
Do ponto de vista regulatório, tanto a EU como a IMO tem conseguido, no meu entender, colocar em marcha políticas de incentivo à descarbonização e desincentivo aos combustíveis fósseis. Alguns dirão que não são suficientes, outros dirão que são excessivos, o que permite considerar que as medidas implementadas e anunciadas serão adequadas e as medidas possíveis.
Na verdade, no espaço regulatório, o maior desafio que identifico é o risco de não cumprimento ou até mesmo o risco de reversão de algumas destas medidas, nomeadamente na IMO, que enfrenta atualmente uma resistência e pressão sem precedentes de países como os Estados Unidos, posicionando-se contra as intenções da IMO de penalizar as emissões de CO2. Isto é, o grande desafio regulatório é o de manter a trajetória existente e é essencialmente um desafio diplomático face a pressão crescente para a não descarbonização do sector.
Desafios técnicos não acredito existirem como barreiras à descarbonização do sector. As diferentes tecnologias existem e funcionam. A velocidade de implementação não é definida pelo desenvolvimento científico, mas sim pela validade dos seus modelos de negócio. Em termos gerais não existe um "bottleneck" tecnológico ou uma descoberta científica que tenha de acontecer para permitir avançar mais rápido na descarbonização do sector.
Os desafios estão em escalar a adoção das tecnologias que já existem de forma a permitir aos tecnólogos normalizar a adoção dos seu produtos e métodos de fabrico e com isso reduzir custos de fornecimento e implementação. O que nos leva aos desafios económicos, que são o que verdadeiramente marca o ritmo de adoção.
O simples ato de implementar mudanças numa indústria já é em si um processo de uma complexidade extrema. A descarbonização do transporte marítimo não é uma transição de sector tao simples como mudar de VHS para o DVD ou para o Streaming quando o navio é um "asset" com um tempo de vida de 25 anos ou mais, e custa várias dezenas de milhões de euros. A acrescentar ao o facto inegável de que todas as soluções para a descarbonização de navios resultam necessariamente em custos operacionais maiores,( exceto aquelas vocacionadas para a eficiência energética), todos estes desafios colocam os aspectos económicos como limitação número 1 para a implementação de práticas mais sustentáveis.
Sendo a limitação económica e não tecnológica, significa que a velocidade de implementação é a velocidade à qual os regulamentos avançam para empurrar a indústria para a adoção de práticas mais sustentáveis. Um navio "verde" não oferece aos armadores uma vantagem competitiva a não ser que o contexto regulatório ou o cliente final o exijam. Assim sendo, a tecnologia não é o "bottleneck".
Que tendências acredita que irão moldar o futuro da construção e refit naval nos próximos 5 a 10 anos?
A liderança tecnológica, comercial, em volume e competências na construção e refit naval está essencialmente nos estaleiros Sul Coreanos e Chineses, onde navios de dimensões e complexidade impressionantes se constroem em meses em vez de anos. Não vejo nenhuma razão para esta dinâmica mudar nos próximos 5 a 10 anos.
O sector da construção naval e refit europeu tende a ter mais expressão no fornecimento de componentes e sistemas para os navios, onde existe maior valor acrescentado tecnológico, e não no navio em si. No sector dos componentes para navios a Europa mantém presença através de algumas marcas dominantes de equipamentos, impulsionada pela preferência dos armadores por essas marcas e pelo foco dessas marcas em inovação e melhoria continua na qualidade. O sector da reparação e refit naval europeu tem também alguma expressão, mas sob competição forte dos estaleiros asiáticos e tende a focar-se em nichos de mercado. 
Neste contexto, as inovações que estão em crescimento envolvem o uso de WAPS e soluções de recuperação de energia ou aumento da eficiência energética em navios, com os combustíveis verdes em pano de fundo com o metanol, amoníaco e LNG em ciclos de avanço e recuo, mas com tendência sempre crescente de adoção na frota global de navios.
Uma boa dose dessas inovações tem raiz em start-ups ou fornecedores de equipamentos europeus, mas também de outras geografias. Eventualmente será atingido um ponto de inflexão em que a adoção de combustíveis verdes se torne mais barata, sendo esse o momento em que navios Dual-fuel com WAPS se irão tornar a norma e não a exceção.
Nesse momento de inflexão a curva de adoção de combustíveis verdes vai disparar e impulsionar um boom de novos fornecedores de componentes que irão aproveitar a transição tecnológica para empurrar o fornecedores "legacy" fora do mercado, predominantemente europeus, que não terão capacidade para acompanhar o ritmo rápido de adoção.
Exatamente o mesmo "playbook" observado com os automóveis elétricos, onde a transição tecnológica permitiu criar a disrupção que remove os fornecedores tradicionais do mercado em detrimento de novas marcas de produtos. Neste contexto de transição, caberá à indústria da construção e refit naval europeia a tarefa de manter uma frota envelhecia de navios enquanto a nova construção continuará a crescer na China, mas desta feita, já com componentes e sistemas de marcas chinesas em vez das tradicionais marcas europeias de equipamentos. 
Resumindo, a tendência prevista de evolução no sector da construção e refit navais será a consolidação do domínio Asiático na construção naval, acompanhada de um gradual abandono das marcas de componentes tradicionais, por substituição por marcas de componentes novas, à "boleia" da transição energética.
A incerteza está sobre que novas marcas de componentes serão essas, e de que forma a inovação e desenvolvimento de novas tecnologias verdes pode definir de onde virá essa nova vaga de fornecedores de componentes para navios.
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