A Visão de Ricardo Calado, Coordenador Científico do CEPAM-ECOMARE e Project Manager do Hub Azul Aveiro (H4 - CITAQUA)
Esta entrevista foi realizada a Ricardo Calado, Coordenador Científico do CEPAM-ECOMARE e Project Manager do Hub Azul Aveiro (H4 - CITAQUA) , no âmbito do projeto Blue Compass, promovido pela Rede Hub Azul Portugal, com base em insights do Hub Azul Dealroom, a principal plataforma digital de matchmaking para a inovação azul.
Quais são os avanços científicos ou tecnológicos que atualmente estão a impulsionar a inovação na Biotecnologia Azul?
A Biotecnologia Azul encontra-se numa fase de desenvolvimento acelerado, sobretudo devido aos avanços das tecnologias de sequenciação de nova geração e múltiplas ferramentas ómicas que têm vindo a ser aperfeiçoadas. Desde a metagenómica, a transcriptómica e a metabolómica, até à proteómica, lipidómica e glicómcia, todas estas ferramentas permitem estudar o material genético e as biomoléculas presentes nos organismos marinhos de uma forma cada vez mais rápida e precisa.
Com o apoio de pipelines bioinformáticos cada vez mais eficientes apoiados por inteligência artificial, tem sido possível descobrir cada vez mais novas enzimas, metabolitos secundários e compostos bioativos em menos tempo e com menores custos associados. É muito importante também referir os avanços alcançados na edição genética, com ênfase na técnica CRISPR (CRISPR (Clustered Regularly Interspaced Short Palindromic Repeats), que abre novos horizontes para a produzir, por exemplo, microrganismos geneticamente modificadas que possam mais facilmente ser produzidos em reatores e dar origem a uma biomassa especificamente desenvolvida para ser valorizada na produção de biocombustíveis, como ingredientes para rações, como biofertilizantes e/ou compostos farmacêuticos.
Os aspetos relacionados com a circularidade, a valorização integral dos biorrecursos marinhos e a sustentabilidade dos bioprocessos desenvolvidos são aspetos igualmente importantes na promoção de um paradigma de bioeconomia suportado por ferramentas de biotecnologia azul.
Que subsectores da Biotecnologia Azul (ex: materiais à base de algas, edição genética, biocombustíveis, bioprodutos marinhos) têm maior potencial de comercialização?
Não é simples responder a essa questão sem o devido enquadramento regional, pois o mesmo varia com o investimento associado à inovação, as necessidades do
mercado e os biorrecursos disponíveis. Os constrangimentos legais à comercialização de novos produtos, processos e serviços assentes na biotecnologia azul é também muito variável de região para região. No entanto, poderão destacar-se os seguintes subsetores com tendo um maior potencial de comercialização:
- Valorização de subprodutos/coprodutos do processamento de pescado para desenvolvimento de novos produtos nutracêuticos (ex:, suplementos alimentares ricos em ácidos gordos ómega-3), cosmecêuticos (ex:, produtos refirmantes de pele) e farmacêuticos (ex:, anti-inflamatórios, antivirais e anestésicos para combate à dor crónica);
- Valorização de macroalgas para a produção de biofertilizantes, bioplásticos e/ou têxteis, de modo a acelerar a transição verde e promover uma redução de plásticos derivados de combustíveis fósseis;
- Edição genética de organismos marinhos com recurso a CRISPR (ou a outras tecnologias de engenharia genética) para melhoramento de micro e macroalgas, assim como outros organismos marinhos produzidos em aquacultura, para aumento da sua produtividade, com ênfase para uma maior resistência a doenças;
o aumento da produção de metabolitos de interesse (ex: óleos, pigmentos, produtos bioativos com diversos tipos de bioatividade) é igualmente explorado, embora os constrangimentos legais existentes em muitos mercados, nomeadamente na União Europeia, possam retardar (ou até mesmo impedir) a comercialização.
Quais são os principais desafios — técnicos, regulatórios ou financeiros — que limitam hoje a escalabilidade das soluções da Biotecnologia Azul?
Do ponto de vista Técnico, vale a pena referir que existem ainda limitações ao acesso, captura e/ou produção de vários organismos marinhos com potencial biotecnológico, nomeadamente aqueles que vivem em ambientes extremos e, como tal, são mais difíceis de aceder. A complexidade química de muitas das biomoléculas presentes nos organismos marinhos com interesse biotecnológico torna-as muitas vezes de difícil replicação em laboratório, sendo necessário recorrer à utilização de tecnologias muito avançadas e dispendiosas em termos de tempo e de recursos financeiros para clarificar e replicar as suas estruturas e funções. Adicionalmente, nem sempre existem meios, ou até mesmo tecnologia, que permita promover um cultivo sustentável e em larga escala de micro e/ou macro organismos marinhos com elevado potencial biotecnológico, o que que compromete a sua produção a uma escala industrial. O mesmo pode ser dito dos bioprocessos necessários para transformar a biomassa marinha em novos produtos, processos e serviços de forma ambientalmente e economicamente sustentável.
Do ponto de vista Regulatório, a legislação que enquadra este setor é extremamente complexa, muitas vezes omissa, e bastante fragmentada. O acesso e a exploração de recursos genéticos marinhos estão enquadrados em áreas de jurisdição nacional e internacional, merecendo destaque a Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) e o Protocolo de Nagoya, que se traduzem, muitas vezes por desconhecimento das autoridades, num manancial de burocracia que
atrasa e muitas vezes impede a concessão de licenças, comprometendo assim a inovação e a entrada no mercado.
Do ponto de vista financeiro merece destaque a natureza intensiva do capital necessário para promover a Biotecnologia Azul, face à especificidade dos equipamentos necessários para bioprospetar o meio marinho (ex: navios de investigação), dos equipamentos laboratoriais para caracterizar e replicar a diversidade química dos recursos genéticos existentes nos mares e oceanos e a necessidade de recorrer a equipas multidisciplinares altamente qualificadas.
Adicionalmente, esta é uma atividade de risco elevado e de retorno financeiro de longo prazo, uma vez que apresenta ciclos de desenvolvimento longos (quase sempre superiores a 10 anos) dos quais pode não advir o retorno financeiro esperado, o que dificulta o financiamento destas atividades junto dos canais mais tradicionais.